Durante algum tempo o negócio funcionou. A família vivia feliz e humildemente contente com aquilo que provinha da labora. “Dava para os gastos”, dizia-se, para o malogrado “consumo interno”. Os clientes também andavam felizes. Eram vizinhos, e a forma como tudo estava tão bem “arrumadinho” e como os produtos que, até então, tinham permitido bons repastos, dava-lhes a segurança de não ter que procurar novas paragens ou outro tipo de concorrência, até então desconhecida ou de tão difícil alcance.
O sucesso era óbvio e dava pouco espaço para a inovação. “Se a fórmula mudava, então porquê mudar?”. O merceeiro tinha ao seu dispor um recurso inesgotável de produtos caseiros, o gerente, pouco falador mas com alguns contactos conseguia-lhe outros produtos de mais difícil acesso quase “a custo zero”, mas mesmo estes produtos só eram adquiridos quando a “prata da casa” não conseguia abranger todas as necessidades caseiras. Quando assim era, o gerente fazia contas às poupanças e lá ia buscar um produto que, geralmente, mais ninguém queria ter no seu negócio.
Isto assim durou algum tempo. No entanto, apareceu algo que mudou o sucesso da obra, as grandes superfícies comerciais. Lá longe do bairro, começaram a “roubar” os clientes mais novos, aqueles que não gostam de rotinas e que ambicionam conhecer algo novo e melhor. Estes locais, geridos por executivos com experiência, recrutavam os melhores produtos, investido na quantidade e qualidade. Investiam milhões de tostões que a mercearia do bairro nunca sonhou sequer ser possível existir.
Aos poucos, o negócio que parecia ser suficiente para uma família feliz, começa a sofrer perdas e derrotas. Os clientes são menos, os sucessos uma miragem. Os clientes mais estóicos, aqueles que não abandonaram a merceeira do bairro (ou porque por ela tinham amor e respeito, ou porque já estavam conformados com a sua relativa ambição), foram alertando o merceeiro e o gerente que era preciso mudar algo para se ter novamente produtividade e sucesso. “Mude as montras. Compre mais e melhores produtos. Os seus produtos caseiros são bons, mas por si só não fazem a sua casa, e nem todos são bons. Coloque os melhores produtos nas devidas prateleiras e não em lugares trocados, onde não têm tanta visibilidade e rendimento. Invista, verá que terá mais possibilidades de vencer estas batalhas duras com as grandes superfícies. Olhe que aí eles investem forte, mas têm sempre as casas cheias, com os clientes a darem o melhor retorno ao investimento. E hoje são líderes em escalas nacionais e respeitados no estrangeiro. Você assim não cresce, pior, tem tendência a desaparecer e a fechar as portas.”
Os conselhos eram sábios e oportunos. Ainda assim, o gerente e merceeiro não mudaram. Para eles, investir era gastar dinheiro. Para eles, os produtos caseiros ainda eram os melhores, dignos logo de serem as estrelas da merceeira, mesmo antes de alguém os comprar ou provar. Tudo se manteve inalterável, desde método de trabalho à a forma como se organizava a mercearia. Os produtos estavam estáticos, alguns fora do prazo de validade, outros sem qualidade digna daquele espaço, outrora grande e respeitado. Mas eles não mudavam, nada, nem sequer ouviam as criticas e os avisos dos, ainda fieis clientes.
Compará-los à concorrência que ia investindo e crescendo cada vez mais, com ambição, e equipará-los num mesmo patamar era só uma caridade que se fazia, fruto de um passado que ainda sustentava este espaço comercial, conferindo-lhe algum respeito e admiração, mas que no presente (e futuro) já não era mais que uma banal mercearia de bairro, com tendência para rivalizar, ombro a ombro, com as últimos sapateiros, modistas e outros do comércio local, num campeonato de pobres, sem ambição e muito longe do sucesso.
Mas alguém acreditaria em milagres?
2 comentários:
Bem-vindo à blogosfera. Parabéns pelo nome escolhido!
Saudações Leoninas!
Há um conjunto de Sportinguistas (muitos? poucos?) que há meses fazem este diagnóstico, e o estado das coisas não se altera. Que podemos nós fazer?
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