domingo, 9 de março de 2014

Queria falar de futebol

A sério que queria. Queria falar do Montero no banco. Da posição adiantada de Adrien que levou a um desgaste físico brutal (sempre a pressionar - o único) e a que o meio-campo tivesse desequilibrado. Queria falar do jogo enorme de João Mário (aquele que "não é intenso nem põe o pé") em contraste com o Magrão, que ainda não percebi o que é ou para que serve. Queria falar da contínua e injustificada titularidade do Heldon, de mais uma exibição cheia de nada do Sporting e, até, do relvado que não deixava a bola rolar.

E queria porque gosto de futebol e porque vi este jogo ao vivo, dando-me uma certa autoridade moral para o fazer.
Mas não dá. É impossível falar de futebol (aquele que levou milhares de pessoas ao Bonfim) quando não foi isso que praticou ali.
E mais do que falar da péssima arbitragem que hoje assisti (quer dizer, para mim e para o Sporting foi péssima. Se calhar, para o inimigo [FCP] e amigo [SLB] de Bruno Carvalho, a arbitragem acabou por ser excelente), quero denunciar mais um elemento que está a contribuir para o definitivo desaparecimento do futebol português: as condições que, hoje, um adepto visitante encontra quando vai ver futebol e apoiar a sua equipa.

Já não ia ao Bonfim há mais de 20 anos. Tinha bilhete para a Superior Sul. Estava com "uma pica" enorme por ir visitar uma cidade que me acolhe todos os anos no Verão, ver um jogo à tarde e apoiar o meu clube. Quando entrei no estádio, recuei 20 anos. Ok, a evolução não passou por aqui. Fui encaminhado para uma bancada de onde retiraram as cadeiras tendo o cimento (ainda com os buracos e os parafusos cortados que, um dia, apoiaram umas cadeiras de plástico) como assento. Pensei: "o bilhete já foi mais caro que a oferta". Depois olho em volta e vejo muitos lugares vazios, quer nos topo Norte, quer nas centrais. Porquê que se pediu 24 e 30 euros para esses sítios? Porquê que não se fez um preço único (não superior a 5 a 7 euros) e enchia-se isto? 
A cerca de 10 minutos do fim, embrulhado na ausência de futebol no relvado, faz-se ouvir o seguinte anúncio pelo speaker: "Os adeptos presentes nos topos Norte e Sul (portanto, os do Sporting - aqueles que deram mais de metade da receita do jogo, visto que os sócios do Vitória pagavam 5 euros) devem permanecer no seu lugar, após o final do jogo." Se tivesse chegado hoje à Terra e o futebol português fosse um lugar digno e respeitador para quem, verdadeiramente, o consume e mantém com vida (nós, adeptos), pensaria que a direcção do Vitória nos queria brindar com um lanche ou um "muito obrigado pela visita", visto que, para estar naquelas condições pagou-se, pelo menos 12 euros.

Mas não. O jogo acaba a polícia amontoa-se junto às nossas saídas. Milhares de pessoas ficam presas e esperam mais de 15 minutos para saírem, apesar de já não existir ninguém no estádio. 15 minutos, num espaço e jogo onde não existiu nenhum episódio de hostilidade entre vitorianos e sportinguistas!!
Para abrilhantar este episódio, as luzes começam a ser desligadas. Parece-me normal, pois animais como nós, consumidores que se podem dar ao luxo de gastar dinheiro para se estar sem condições (betinhos...), podem bem sair de um estádio sem que a luz esteja ligada.
Quando saí do estádio, e após ter de passar por um corredor feito de forças de segurança (como alguém disse: "parece que estamos na Crimeia!"), acredito que todos os adeptos do Vitória já estariam em seus lares, orgulhosos com o "nosso" João Mário. Aliás, acho que só nos deram ordem para sair, após todos os sócios do Vitória terem chegado a casa e telefonado para o Bonfim a dizer que tinham chegado bem, em segurança. Um pouco como quando se vai de viagem e se telefona para os nossos pais a dizer "cheguei bem, a viagem correu bem. Até amanhã".

12, 24 ou 30 euros. Foram estes os preços a pagar para ser tratado com "lixo". Aquilo que senti na bancada (onde existia um ambiente muito familiar, tal era a presença de sportinguistas de distintas idades e géneros) foi que não querem que eu esteja ali. E quando digo "ali" não me estou a dirigir, concretamente, ao Bonfim/Vitória. 

Este futebol português não quer que eu vá à bola. Quer que eu desista. O que o futebol português ainda percebeu, é que eu não indo, não consumo. E se mais alguém pensar assim (e acredito que sim) isto só pode acabar mal. Sem estas receitas, os clubes ficarão mais "presos" à ditadura da TV, jogando quando esta quer e à hora que ela bem entender. Mas, por outro lado, porquê que a TV quererá passar e pagar por um "espectáculo" que não é visto por ninguém ao vivo? Se calhar porque não há espectáculo. E assim por diante...

Se eu me sinto assim só com o que passa fora das 4 linhas, imaginem se, hoje, me apetecesse falar e comentar sobre o que se passa dentro do relvado.

Vamos ter Fim pelo qual batalhámos.

8 comentários:

Mike Portugal disse...

Bom post Cantinho.
Estes clubes pequenos preferem ter pouca gente no estádio e garantir que a pouca que lá têm apoia a equipa da casa.

É a mentalidade que temos neste país e é mesmo pena que não consigam ver 2 palmos à frente do nariz. Essa atitude irá fazer com que estes clubes pequenos fechem portas mais cedo ou mais tarde e eu não terei pena nenhuma.

Anónimo disse...

Tens toda a razão. Já há muito que deixei de ir aos estádios.

Joel disse...

Nao ha livros de reclamações nos estádios ? É pedi-los

Cantinho do Morais disse...

Mike,

obrigado. Sempre me questionei porquê que o Bonfim não servia para as competições europeias. Agora já sei.
Mas o "fechar portas" é o caminho lógico mas não o melhor. Brincar sozinho nunca foi melhor que brincar com companhia.
O futebol português está a morrer e os clubes são os principais culpados. E essa conversa de preferirem ter pouca gente no estádio só se for relativamente ao Sporting. Porque vê as diferenças de preços no jogo do Sporting na Amoreira e os jogos do Benfica e Porto nesse mesmo estádio.

Anónimo,

Esse é o caminho. Adorei o ambiente vivido na "nossa bancada" mas aquele Vitória e este futebol não merecem que continuemos clientes.

Joel,

Eu até pedia mas as luzes já se iam apagando e só lá estava o Corpo de Intervenção da PSP. Acho que já não existia ninguém responsável do jogo.

Duarte disse...

Embora seja diferente a rivalidade e vá havendo alguns focos isolados de violência, também me senti tratado como gado quando fui à Luz há umas semanas.

Sair de um táxi com o cachecol escondido e separar-me das pessoas com quem fui para não ser suspeito um grupo sem adereços SLB. Ridículo.

No fim do jogo, 45 minutos fechado na bancada, mais escolta policial até não sei onde...

Senti-me completamente tratado como gado (valha a verdade que alguns dos nossos adeptos volta e meia também justificam levar com um pau).

Enfim, é uma tristeza de futebol o nosso.

Quanto ao que se passou dentro do campo, nem há palavras.

Anónimo disse...

Se os grunhos que (des)governam os clubes tivessem visão, percebiam que o futebol deveria ser sempre jogado à tarde. Repara o efeito que o jogo às 17.00h teve. Foi bom para a economia local, pois levou milhares de sportinguistas a Setúbal, que encheram restaurantes e cafés. Foi bom para o VFC, que fez a melhor receita da época. Foi bom para os sportinguistas (com excepção do resultado final) porque puderem ir passear e ver o Sporting jogar fora a horas decentes. Fosse o jogo à noite e não estaria nem metade do público.

A quem não interessa isto? À Sport TV, que põe e dispõe do horário dos jogos, em detrimento do espectáculo e da competição. Não seria melhor para a promoção do campeonato que este fosse apresentado com melhores molduras humanas nos estádios? Sem dúvida. Mas a Olivedesportos está-se borrifando para isso. À Olivedesportos interessa perpetuar dependências e manter o monopólio, com a agravante de que é uma das alavancas de poder do Porto. A Olivedesportos é um dos maiores CANCROS do futebol português, que urge extirpar.

Cantinho do Morais disse...

Duarte,

o episódio que relatas é triste. Ir a um espectáculo e não estar seguro de que se possa demonstrar a cor que se defende e apoia. Enfim...

Anónimo,

totalmente de acordo.
Mas, como dizes, não interessa que os clubes tenham outras fontes de rendimento (bilheteiras, merchandising, etc). O única coisa que interessa é que os clubes dependam, quase exclusivamente, das receitas televisivas. Que os clubes estejam de mão estendida quando a Oliverdesportos (e, no futuro, a Benfica TV) lhe for propor negócios e compra dos direitos televisivos. Como não têm mais receitas acedem à única proposta que lhe fizerem, mesmo que seja baixa e os leve a jogar a horas vergonhosas.
O único motivo que levou o jogo no Bonfim ser aquela hora, foi o facto de querer entrar em concorrência com a Benfica TV e do jogo do SLB com o Estoril. Nunca foi a pensar nos espectadores ou nos clubes envolvidos.

Anónimo disse...

É claro que foi para fazer concorrência à Benfica TV que o Sporting jogou às 17.00h. Basta recordar as (más) horas que nos calharam nos outros jogos. Seria interessante comparar a audiência dos dois jogos, embora a Sport TV tenha mais assinantes que a TV encarnada.

E a propósito da Benfica TV, vis-te como os tripeiros descobriram a careca dos lampiões no último relatório e contas? Os valores estão manipulados para que a Benfica TV apresente números mais favoráveis à imagem desse empreendimento lampiónico. Para tal cortaram nos valores das receitas de bilheteira e quotização, só que estes não batem certo com a média de espectadores, além de que é estranhíssima uma quebra de cerca de 3/4 nas receitas de quotização. Ou houve muita gente a deixar de pagar as quotas no último trimestre, ou os números anteriores estavam aldrabados. Vês como se manipulam as contas?