"És um dragão! És um baixinho! João Moutinho, João Moutinho..."

A transferência de João Moutinho para o FC Porto é um dos marcos mais negros da longa e rica história do Sporting Clube de Portugal.
Com esta acção, de José Eduardo Bettencourt e seus pares, iniciar-se-á uma nova etapa na vida do clube, relativamente ao Futebol (Profissional e de Formação).
Se, financeiramente, o negócio ainda pode ter alguma discussão e possibilidade de ver algo positivo (10 milhões de euros ainda dá para pagar os ordenados de Pedro Silva, Caneira, Purovic, Stojkovic, Grimi, Postiga, Djaló, Abel e Vukcevic até finalizarem os seus contratos), desportivamente foi um fiasco.

Comecemos pelo mais evidente. Vender o jogador que mais jogos e minutos fez nos últimos 5 anos é mau. Vender o jogador que era capitão é péssimo. Acrescentado que o mesmo foi vendido, "na flor da idade", muito abaixo da cláusula de rescisão e, por fim, ao FC Porto, só pode resultar no pior negócio de sempre!! Se isto já é catastrófico o que dizer das consequências imediatas (e futuras) que o mesmo acarreta?
Mesmo não querendo dirigir críticas ao facto de ainda se negociar, falar ou conviver com um clube (assumidamente) corrupto e com dirigentes que (comprovadamente) humilharam e insultaram o actual Presidente leonino e o Paulinho, este acordo coloca o Sporting num patamar altamente desfavorecido e direccionando-o para um rumo que será difícil de inverter.

Vender João Moutinho gera a formação de uma nova realidade e mentalidade. Por norma, por conflito e competição, nunca se vende um jogador importante e valioso a um rival. Assim, o negócio só pode ser entendido como tendo sido realizado entre dois clubes que não se olham assim, como rivais e com os mesmos objectivos competitivos. O Sporting apresenta-se, de forma categórica, como um não-rival do FC Porto com quem não luta pelos mesmos títulos e conquistas com que este se rege (e, visto que FC Porto é, assumidamente, rival do Benfica, logo o Sporting também não é rival e concorrente directo do Benfica). A posição subalterna de quem vende a um clube superior é o espelho deste enredo. E esta é uma das mensagens perigosas e tristes que se retiram desta história.
O Sporting, clube que detém alguns bons jogadores passíveis de jogar ao mais alto nível e de disputar títulos em clubes de nomeada, com o objectivo de equilibrar o seu parco orçamento teve, como consequência da sua pequena dimensão, vender o seu mais valioso activo a um clube que lhe dará oportunidade de crescer, vencer e pisar palcos tão longínquos dos mais utópicos sonhos dos dirigentes leoninos (agora percebo a necessidade de contratar jogadores ao Braga, essa sim, uma equipa rival; este ano roubou-nos o 2º lugar; malvados!).
De facto, de maneira mais ou menos educada e respeitadora para com o a "casa-mãe", foi isto que João Moutinho procurou. Um clube maior. O próximo passo de uma carreira ainda tenra mas já longa, fruto do seu alto rendimento.

E como se pode condenar João Moutinho por esta atitude se o próprio clube que o formou e vendeu não quer crescer mais, preferindo ficar reduzido na sua pequenez, remexendo numa memória secular que ainda o vai mantendo vivo?

Esta acção pode-se alastrar ao restante balneário (veremos como se comportarão Izmailov, Veloso e Liedson), pois a mensagem da cúpula dirigente é clara: "Nós não podemos ganhar, porque não jogamos, dirigimos e negociamos para tal fim!". Que critérios e argumentos terão os dirigentes do Sporting se confrontados com uma situação idêntica proveniente de outro jogador, igualmente importante e carismático? O argumento do jogador será óbvio "Se deixaram ir o capitão por metade da cláusula para o Porto, porquê que eu não posso ir também? Também tenho ambições e quero saborear o gosto pela vitória. Ou pelo menos tentar..."
Está aberta a Caixa de Pandora...

Outra sequela que este episódio deverá deixar é ao nível de formação. Se o Sporting não se revê nem actua como um clube grande e ambicioso, não se pode constituir como um fim na hierarquia da formação de um futebolista. Um jovem jogador que faz toda (ou parte) a formação no Sporting, verá a 1ª equipa como mais uma etapa na sua evolução e carreira. Além de já não serem sportinguistas de coração porque, em miúdos, só se gosta de quem ganha, eles, como os seus progenitores terão uma estratégia e caminho evolutivo bem delineado, mais ou menos nos seguintes moldes:

- até aos 18 /19 anos - Futebol de Formação
- a partir dos 20 anos - 1ª equipa profissional (ganhar experiência; jogar com regularidade; ganhar nome em Portugal e na Europa;)
- a partir dos 22 / 23 anos - dar o salto para um clube de maior dimensão, onde, acima de tudo, se lute por títulos; não se dá especial preferência a qualquer dos "2 grandes". "Jogar num grande já é bom"

Por fim, a cena mais degradante e que em muito penaliza a nossa história. As declarações do Presidente do Sporting Clube de Portugal acerca de um Capitão de Equipa. Por muita razão que Bettencourt julgue ter (ainda só ouvimos a sua versão), nunca se pode humilhar e insultar, publicamente, quem já envergou a braçadeira de Capitão do Sporting Clube de Portugal. Se João Moutinho era digno de tal honra? Isso é outra questão e certamente não foi ele que exigiu a mesma. Chamar "maçã podre" e achincalhar um jogador que dedicou 10 anos ao clube, que serve de referência e exemplo a milhares de adeptos e sócios leoninos, a colegas (vide as declarações de André Martins dois dias antes) e a futuros jogadores que crescem nos escalões de formação, é das páginas mais negras do Sporting, escritas e carimbadas por Bettencourt e seus pares.
E o que Moutinho representa para os jogadores da formação? Sempre com os olhos colocados na sua ascensão e caminho percorrido dentro do clube. Era um exemplo, uma motivação, uma bandeira. Sonhos cortados pela raiz...

Um clube que se diz Grande tem que ser superior a um jogador que amua, que falta ao respeito e é mal agradecido. Um clube que se diz Grande assume as responsabilidades de não saber proteger e gerir de maneira sustentada os jovens que crescem na Academia, tão cedo expostos a uma ribalta tão venenosa e enganadora. Um clube que se diz Grande tem de crescer dia a dia, tratando por igual todos os seus elementos, criando-lhes condições para que, eternamente, se sintam gratos e reconhecidos, mesmo após crescerem e serem felizes noutras paragens.

O verdadeiro Sporting não faz isto a uma "maçã" sua. Só se corre o risco de apodrecer se for mal regada, podada e carecer de protecção, afecto e respeito. Com tantas maçãs podres que já foram caindo, talvez o mal esteja no agricultor.

Hoje, ganhou-se 10 milhões de euros mais a metade de um jogador (que já deve ganhar mais que o futuro capitão Daniel Carriço). Parece bom.
Mas perdeu-se um Futuro, apagando-se mais um pouco daquele brilho de vitória que já só existe na nossa distante e turva memória.


ps: Pinto da Costa sai limpinho desta novela toda. Genial a forma como consegue retirar Moutinho da convocatória do Mundial, deixando-o desvalorizar-se face à Europa e encostando o Sporting à primeira e única proposta. A selecção voltou a ser elaborada pelos clubes e voltou a "brilhar" nas competições. Dèjá vu...
O único consolo é que este senhor ainda não encontrou o elixir da imortalidade. Um dia não estará cá. Tamanho desígnio está certo, mesmo sendo Papa.